3.01.2005

JOHN PERRY BARLOW, O CAUBÓI DO CIBERESPAÇO

“O MAIS IMPORTANTE É DEFENDER A FRONTEIRA”

O «ar» de John Perry Barlow não engana ninguém; ele é o John Wayne do Ciberespaço, robusto, botas de caubói, lenço ao pescoço, barba queimada pelo sol, voz calma e rouca. No seu cartão de visita, logo abaixo do nome, pode ler-se «Cognitive Dissident». Ex-rancheiro (criador de gado, em bom português), letrista dos Grateful Dead, hippie assumido, colaborador eventual da «Wired» e licenciado no estudo de religiões (entre várias outras coisas que pode descobrir em http://www.eff.org/~barlow), Barlow fundou a WELL e, mais tarde e juntamente com Mitch Kapor, a EFF-Electronic Frontier Foundation, dois dos grandes marcos na História das comunicações electrónicas. Apesar das muitas críticas que lhe foram feitas a partir do momento em que se instalou em Washington, a EFF será sempre um bastião irredutível que luta ainda e sempre contra o invasor proteíco. Em Madrid, durante a 5ª CyberConf, sentámo-nos a tomar café e conversar.

Ontem afirmou que «a lei é o reverso da ética»...

John Perry Barlow -- Não diria que é o inverso da ética, mas penso que há uma relação inversa entre uma sociedade legalista e valores éticos. Quanto mais uma sociedade depender de leis para gerar ordem, menos provável se torna que dependa da ética. Pessoalmente, acredito mais em valores éticos, prontos a adaptar-se, a mudanças rápidas, e com capacidade de manter uma certa versatilidade em condições como as do ciberespaço, onde é muito difícil determinar quer autoridade, quer coersão.

Pensa então que o ciberespaço está perto das sociedades primitivas, onde não imperavam leis escritas mas valores socialmente aceites?

JPB -- Acho que é muito mais semelhante à sociedade pré-industrial a qualquer coisa que temos visto nos últimos quinhentos anos. Quando se pensa no que foram os componentes básicos da construção da sociedade desde a madrugada dos tempos, desde a agricultura institucionalizada, vemos que a propriedade e a definição de espaço físico tornou-se critíca, em tudo o que fizémos. Não podemos definir nem propriedade nem espaço físico no ciberespaço, nem jurisdição, nem identidade, nem outras coisas que são fundamentais à manutenção de ordem baseada em leis.

A melhor e mais concisa definição de ciberespaço continua a ser a sua frase «cyberspace is where you at when you're on the phone». Mas as linhas podem ser cortadas. Ou seja, você defende que não é possível reprimir no ciberespaço. Mas expulsá-lo, cortar-lhe a linha, não é uma forma de coersão?

JPB -- Absolutamente. E penso que uma das coisas que a sociedade faz, de modo a estabelecer a sanção, é vetar ao ostracismo. E isso parece ser o castigo mais radical. O telefone, que é orientado pelo espaço, uma vez cortado, torna-se difícil a religação. O problema, no ciberespaço, é que se formos cortados num sítio, basta ir a qualquer outro e obter uma nova conta ou acesso. Reaparecer num novo disfarce. Houve um famoso incidente, num MOO chamado Land-the-MOO, onde alguém foi condenado pelos utilizadores do MOO por violação, e oficialmente expulso. Mas há todas as razões para crer que a mesma pessoa física reapareceu como outra pessoa virtual. Mas o comportamento da nova pessoa virtual é algo diferente daquela que foi expulsa.

Aprendeu alguma coisa no processo...

JPB -- Exacto. Mas era impossível mantê-lo afastado, de qualquer modo.

Isto é história, Nicholas Negroponte lembrou-o há poucos dias em Bilbau: um ayatola do Irão exigiu que Michael Jackson e Madonna fossem extraditados de modo a serem julgados por crimes contra o Corão. Isto é rísivel...

JPB -- Isso não é diferente do governo norte-americano declarar a legitimidade de regulamentar o conteúdo de todos os sistemas informáticos do planeta...

Mas ninguém pensou sequer por um segundo que seria possível extraditá-los para o Irão. Mas na Califórnia fizeram-no com os Thoma.

JPB -- Sim, para Menfis. Há gente no governo americano que está a discutir seriamente a possibilidade de extraditar pornografeiros do exterior, desde que estes tornem acessível aos Estados Unidos material considerado obsceno. Não há qualquer diferença nisto e no que o ayatola fez. No entanto, não acredito que o CDA (Communications Decency Act) vá entrar na lei. Penso que os juízes de Filadélfia vão deitá-lo para o lixo. (Nota: Isso realmente aconteceu no dia seguinte a esta conversa). Mas nunca pensei que chegássemos tão longe.

Sabemos que a pornografia é uma das três maiores indústrias americanas (Nota: juntamente com o tráfico de droga e o cinema), e que o seu maior consumo acontece entre os treze e os dezassete anos...

JPB -- Isso tem a ver com a negação. Debati o assunto ainda há dias com uma senhora que lidera uma associação civil chamada «Enough is enough», e que combate a pornografia online. E eu perguntei-lhe «quando é que viu pornografia pela primeira vez na sua vida?». Respondeu-me ela que «devia ter treze anos». «Mas nessa altura não existia a Web», retorqui. Ela reconheceu mas continuou a insistir, em como não queria que isso continue a acontecer. Eu fui um míudo nos anos cinquenta. E logo que me interessei por esse tipo de material, ele era completamente acessível, existia por todo o lado. Não há razão para acreditar que isso mude. Muitos adultos fingem que isto não acontece. Mas acontece. E não podemos fazer nada. Provavelmente, não deviamos fazer nada. Mas há um fenómeno cultural muito peculiar a acontecer nos Estados Unidos neste momento, que eu chamaria a guerra entre os adultos e as crianças. Mais que qualquer outra coisa, essa guerra é o resultado da ansiedade sobre o sentir que as crianças são muito mais hábeis, mais competentes que os adultos, tecnologicamente falando. E os adultos temem as suas crianças, porque elas são nativas num mundo onde eles são imigrantes. Penso que a questão do terror à volta da pornografia online não passa de um terror à própria Net.

Aparentemente, e mais uma vez lembrando-me de Negroponte, também a população mais idosa está a aderir à Net. Porque, tal como os mais jovens, têm algo que a população activa não possui: tempo. Somos realmente governados por ignorantes digitais?

JPB -- Sim, penso que iremos ver uma geração isolada, entre os vinte e cinco e os cinquenta e cinco anos. Afortunadamente, tanto eu como você fazemos parte desse grupo etário, mas não somos parte dessa geração isolada (risos). Isso recorda-me uma coisa que o Alan Kay me disse um dia: «avós e netos têm uma elo comum e um inimigo comum» (gargalhada geral).

Já agora, o melhor é falar também da EFF. Vocês atravessaram um período díficil dado o aquartelamento em Washington...

JPB -- Descobrimos que era uma perda de energias sermos um grupo de lobbying em Washington, dado a dinâmica anti-entendimento do Congresso. Não vale a pena fazer lobbying junto de gente que não consegue nem pretende entender. E esse é o ponto onde estamos, realmente, no que diz respeito ao Congresso. O Congresso é formado por pessoas que possuiem fortes interesses na preservação do antigo paradigma, mesmo depois deste já não funcionar; e recusam qualquer exposição ao mundo online. Finalmente decidimos que o mais importante que temos a fazer é defender a fronteira. E tentar utilizar os tribunais para assegurar que quem se meta em problemas pelas suas acções no ciberespaço tenha uma possibilidade aceitável e justa de ripostar.

É então por aí que vão actuar?

JPB -- Sim, e pela educação. E pensar também na formação de governantes para o ciberespaço. Só porque os governos do mundo físico não têm uma solução para criar ordem no nosso ecossistema, isso não quer dizer que ela não exista. E temos que pensar nisso, tentar criar o consenso social.

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