2.19.2005

JON SNODDY: A TECNOLOGIA NÃO BASTA (PARA MUDAR O MUNDO)

A caminho das mesas Jon Snoddy questionava-se, «não sei em que ponto está o desenvolvimento do multimédia aqui, mas toda a gente pergunta o mesmo que os jornalistas americanos há dois anos atrás: "a RV não será uma nova droga, capaz de viciar? Será que depois de várias horas utilizando um capacete de RV as pessoas não terão problemas em percepcionar o real?"».

Snoddy é co-director e «Creative Development Lead» -- é o que diz o seu cartão de visita tipicamente West Coast, com tradução japonesa no verso -- do Estúdio Disney de Realidade Virtual. É, até 15 de Dezembro, quando expira o seu contrato. Vai trabalhar num novo projecto, liderado por três gigantes da indústria mediática. «Dreamworks?» perguntei eu, a lembrar-me da sangria que Katzenberg faz ao seu ex-amigo Eisner. Snoody sorriu e respondeu que isso só se saberia daqui a duas semanas. Está bem, a gente espera.

Como não me apetecia perguntar se a RV vicia (que espanto, se a Web e os Talkers fazem o estrago que fazem!) entrámos pelo bláblá consensual da Net e do que lhe ia acontecer no futuro. Assim:

Isso lembra-me que há dez anos atrás a emissão de televisão mudou com o advento dos satélites -- antes disso os canais tinham que possuir tudo: tinham que sair, recolher as notícias e colocá-las no seu emissor -- mas a partir do momento em que apareceram os satélites qualquer televisão local podia «arranjar» uma história, enviá-la (beam, reflexologia StarTrek na língua) para o cima e todos podiam «dowloadá-la» do satélite. Lembro-me de ter pensado que isso ia mudar o mundo; passava a existir uma igualdade. Mas não mudou (risos).

O que me faz concluir que, aparentemente, a tecnologia não basta. A tecnologia pode providenciar oportunidades, mas as pessoas têm de as desejar.

Deixa-me regressar à tua pergunta. Uma das primeiras questões é legislativa. Será que o governo vai manter a Internet «aberta»? Ou vão deixá-la comprar? Penso que a irão manter aberta. Parece-me inconcebível que o governo seja tão curto de vista que venda as auto-estradas. Mesmo assim, o que as pessoas farão -- para dar um exemplo referido aqui mesmo nesta conferência quando se falava de «video on demand»: diziam eles que bastava disponibilizar as dez melhores películas para responder aos desejos de oitenta e cinco por cento do público -- isto é chocante! Que dez filmes satisfaçam tanta gente. Mas é verdade! As grandes companhias, realmente, providenciarão coisas que as pessoas gostam, coisas para as quais elas migrarão. Mas tudo bem. O que nós queremos assegurar é a possibilidade de acesso de outras vozes, que pequenos grupos de pessoas possam estar no ar. Mas é preciso que as pessoas o queiram, que tenham uma cultura que os leve a actuar. Esta é uma janela de oportunidade, um momento breve na história onde pessoas com ideias muito diversas têm acesso, e podem... tu sabes, tenho amigos que estão em casa a fazer web pages e têm dezenas de milhares de hits por dia. E isso é mara vilhoso, poderes publicar algo que tanta gente pode ver. Se criarmos uma cultura onde nós todos fizermos a nossa parte para sermos ouvidos, faremos disto um verdadeiro diálogo. Não podemos ser preguiçosos e preferir visitar um lindo web-site e não fazermos as nossas próprias páginas.

Uma coisa que me tem surpreendido é que agora tenho muitos mais amigos que antes. Já não preciso da proximidade fisica para conhecer e travar amizades. E a diferença é que as relações agora estabelecidas são de verdadeira empatia. Achas que isto é o último sonho para a geração que falhou a revolução hippie? (Confesso que me lembrei desta pergunta porque Snoddy usa os seus cabelos grisalhos presos num longo rabo-de-cavalo. Imagens feitas).

Eu estava na escola primária e perdi os sessenta, mas como quase tudo o que pensamos dos sessenta realmente aconteceu nos inícios dos anos setenta, não interessa. Penso que esta noção de acesso igualitário e a diversidade... a diversidade, penso que é esta a noção correcta. Encanta-me browsar simplesmente pela Net, do modo como uma ideia nos leva a outra ideia, o fluir da consciência (the stream of consciousness). E gosto do modo como as pessoas... se suportam umas às outras -- isto é algo que penso que os sites comerciais não adoptarão -- mas quando eu vou para qualquer site ou para qualquer assunto... no meu jardim construi um pequeno lago com peixes e pessoalmente não conheço ninguém que também o tenha feito; mas na web, há sítios em que as pessoas colocam fotografias dos seus lagos, e a todas as páginas que vais as pessoas listam os seus cinco sites favoritos que estão a fazer o mesmo. Há um sentido real da partilha, de ligar em vez de proteger, e isso é importante. As pessoas não parecem estar a competir, para além de tentarem fazer o seu web-site melhor e mais bonito, e não tentam excluir-te. Ao contrário dizem-te: eis outros cinco lugares que acho maravilhosos. Gosto muito dessa parte, de quase todos os locais onde vamos terem recomendações. Isso é o mais parecido com o espiríto dos sessenta: partilhar e juntar as pessoas.

Durante a conferência falaste no design da «caixa», isto é, do computador-televisão-telefone do futuro. O que existe faz-nos sentirmo-nos parvos a falar, inconfortáveis a ler. Como vamos resolver esse problema?

O computador pode fazer tudo o que qualquer outro aparelho electrónico faz. É uma caixa totalmente programável, um aparato mágico que pode transformar-se em qualquer coisa. No meu trabalho utilizo muitos os computadores para edição de vídeo e audio. E quando surgem os fundidos mais complicados, os técnicos vão buscar um «fader» manual. Sentem-se mais confortáveis com os botões. E não utilizam as colunas dos computadores, mas outras, de melhor qualidade. Acontece uma coisa muito curiosa: há uma espécie de fusão arrumada de ideias entre a ciência dos computadores , o audio, etc., e penso que o mesmo vai acontecer noutros campos: é um pouco desastrado tentar falar com alguém através do computador, mesmo que este seja também um telefone.

Nós fizémos um breve estudo sobre o modo como as pesooas falam entre si. E há uma grande diferença consoante o tipo de aparelho que utilizam . Se utilizo o telefone, tenho um tipo de conversa; se uso um microfone, tenho outro tipo de conversação. Talvez estes padrões (patterns) se tenham desenvolvido porque temos uma grande história de utilização desses aparatos, mas se quisermos telefonar com o computador, ele terá que mudar. Provavelmente tornar-se mais parecido com um verdadeiro telefone. Para ler notícias, por exemplo, teremos algo mais parecido com um livro. Sinto-me horrívelmente quando estou sentado frente a um ecrã, porque fico de costas voltadas para o resto das pessoas na sala; enquanto se estivessemos os dois a ler à volta de uma mesa de biblioteca, isso é muito social. Gostaria de ter uma tábuas, que pudessemos descansar no colo, que nos permitissem ler e browsar, em vez da postura de olhar para um ecrã. Vai ser giro ver como estas coisas vão evoluir.

Para quando supões que haverá Realidade Virtual distríbuida através da Net?

Se esqueceres a ideia de fidelidade, de qualidade visual, podes dizer que alguns web-sites já têm ambientes virtuais. Há alguns sites que têm vários ambientes que se atravessam, portas para cruzar, etc. Penso que a RV é algo que me permite suspender a descrença (disbelief) e acreditar que lá estou. Se eu puder fazer isso com uma imagem, então eu posso «esticar» a definição para dizer que um web-site, p.e., é Realidade Virtual. Mas talvez esteja a esticar muito.

Penso que iremos ter, quase imediatamente, uma combinação de CD-Rom que servirão para armazenar imagens e web-sites -- aliás estive numa companhia, recentemente, que está a desenvolver isso mesmo -- e trata-se de uma combinação poderosa. Há um total imediatismo, com os textos e as links a chegarem por linha, e as imagens a serem fornecidas pelo CD-Rom. Dentro de um ano esse sistema já estará em funcionamento.

Por outro lado, o próximo Natal é crucial para os capacetes de RV. Dois projectos importantes acabam de morrer -- Hasborough e o Jaguar da Atari; penso que os iriam comercializar, o computador e a «caixa», por trezentos dólares (cerca de cinquenta mil escudos). Penso que a ideia de «vestir» um capacete ou uns óculos é bonita, quando é bem feita. Há realmente uma sensação de imersão, de transporte. Mas preocupo-me porque penso que as empresas o vão fazer mal, o que provocará uma recessão. Por isso digo que este Natal é crucial; há vários produtos na rua e se algum deles vender bem, o resto das companhias ganhará confiança para prosseguir. As corporações são como lémures, têm que seguir alguém. Se alguém perder muito dinheiro, as coisas podem congelar .

Falaste da tua primeira experiência com a RV, em 1987, nos laboratórios da NASA (incluir aqui longa história sobre o meu primeiro vôo espacial a bordo de um sistema inglês). Como foi a RV a preto e branco?

O preciso momento em que percebi que isto era importante foi quando... eu estava numa torre, numa estação orbital, mas eram só linhas brancas num fundo negro, e disseram-me para voar até ao topo. Então, voei até ao topo. Estava na sala de conferência, conversando com os técnicos que faziam a demonstração -- não havia som -- e decidi dar um passo no espaço e foi-me muito difícil. Sabia que estava na sala, conversava com outras pessoas que se encontravam a meu lado, mas qualquer coisa dentro de mim dizia-me «não o faças. É perigoso». E eu disse para os meus botões «Uau, isto é incrível. Esta estranha peça de computador pode tomar conta dos teus sentidos». Estamos todos à procura do que fazer com este medium. É uma nova forma artística e agora temos que descobrir o que fazer com ela.

Viciar-nos?

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