2.20.2005

RYAN WATKINS: A DIMENSÃO X

ELEMENTAR, MEU CARO WATKINS!

Ryan Watkins é um dos programadores da Dimension X, a empresa fundada por Carl Jacob e que com pouco mais de ano e meio de vida já se posiciona como um dos mais fortes aliados de Bill Joy e da sua Sun Microsystems na estratégia para a Internet. Que é como quem diz: “pode passar-me essa chávena de Java?”.

Basicamente, a Dimension X ocupa-se de duas áreas vitais no novo mundo da World Wide Web: por um lado desenvolve aplicações de criação, como o “Liquid Reality” -- uma série de ferramentas para incorporação de animações 3D dentro de ambientes VRML (Virtual Reality Markup Language) -- e o “Liquid Motion” -- um programa baseado em Java que permite desenvolver animações, audio e interactividade. Por outro, a Dimension X cria web-sites para clientes tão distintos como a AT&T, MCA Records, Sega, Intel, e o próprio site da Sun, onde potencializa os seus produtos. Como eles mesmos se definem: “our sites are browser-agnostic”, ou seja, a base em Java permite-lhes fazer correr as aplicações -- sejam animações ou outras -- sobre qualquer plataforma, independentemente do sistema operativo que o utilizador está a correr.

Ryan Watkins esteve em Lisboa, para falar do Java, uma linguagem de programação em que ele acredita piedosamente, no sentido apostólico com que os cristãos aceitam a ressureição. Exageros à parte, o Java parece ser a primeira peça de uma transformação radical da ciência da computação, que passará pela substituição dos pesados e solitários “desktops” por estações de trabalho ligados telematicamente ao ciberespaço. Já aqui abordámos o tema. Mas adiante.

“Há vinte anos que a Net existe. Mas só a partir do momento em que apareceu a World Wide Web é que ela se tornou extremamente fácil de usar. É só clicar e funciona. O Java é essencial no modo como vem revolucionar o desenho das páginas. E o modo como as páginas evoluiram foi assim: quando Tim Burtons-Lee criou a página com hipertexto, com links que a ligavam a outras fontes, não acreditava que se pudessem introduzir imagens. Depois veio Marc Andresseen e disse que alguma coisa devia acontecer na página, porque isso permitiria utilizar aplicações tão facilmente como as links da Web.

Mas apesar de se conseguir colocar imagens na página, o “layout” acaba sempre por ser limitado, isto é, há um limite para as coisas que podem acontecer na página.

Os applets Java são uma linguagem de programação total, de tal modo que podemos escrever seja o que fôr, qualquer coisa que seja imaginada. A grande mudança que o Java vem trazer à Web é que, agora, tudo pode acontecer nessa “janela”. Podes até abrir uma janela fora do browser e fazer algo diferente em simultâneo. Penso pois que o Java vem aumentar drasticamente o nível da interactividade.”

E de que modo irão evoluir os browsers já que, parece, deixarão de ser apenas ferramentas de leitura?

“Hoje o web browser é só mais uma aplicação, uma das muitas que correm sobre os processadores do computador. Mas penso que, num futuro próximo, já não teremos o Microsoft Windows, teremos o Netscape. E o Netscape não será somente um web browser mas uma complexa variedade de aplicações mais tudo o que se possa desenvolver em Java. Não será mais uma questão de Mac OS (OS=Sistema Operativo) ou Windows OS ou Unix, mas um sistema operativo de redes, e o Java será uma componente vital desse OS porque pela primeira vez podemos usar uma linguagem de programação para escrever toda uma variedade de coisas.”

Tal como os browsers, também os computadores irão transformar-se. Vamos deixar de ter disco local e utilizar “thin clients”, estações de trabalho que buscam os programas e aplicações que necessitam na rede?

“Eu não acredito, realmente, na ideia de um computador sem disco rígido. Há alguns anos atrás pensou-se num servidor e estações de trabalho sem disco. Toda a gente odiou estas pobres estações de trabalho porque, quando se dispõe de uma grande quantidade de informação, não é nada funcional que elase encontre completamente espalhada pela rede. O outro problema é o do controlo sobre a tua informação. Toda a gente gosta de saber que pode fazer uma cópia, que é dele, que está no seu bolso e que mais ninguém pode ter acesso a ela. Talvez daqui a alguns anos este problema seja resolvido, talvez exista uma maior segurança em ter a informação espalhada, mas por agora é, sobretudo, uma questão psicológica. Eu tenho um PC na secretária. Ele pertence, realmente, à empresa, mas é o meu PC.”

Que tipo de negócios estão mais rapidamente a emigrar para o Java?

“Gente que está a fazer multimédia; que no passado fizeram CD-Roms e agora querem mudar-se para a Net. A grande vantagem do Java -- tal como da rede -- é ser multi-utilizador. O CD-Rom, o multimédia anterior, eras tu, sózinho, com a tua máquina. Mas agora já não se trata de uma experiência solitária, mas de uma experiência distribuída. Vais a um sítio onde podes conhecer outras pessoas.”

O facto de cada vez existirem cada vez mais aplicações disponíveis na rede, ou melhor, o facto de estarmos a evoluir para um ambiente onde os programas têm de ser importados através da rede não virá a colocar imensos problemas de direitos de autor?

“Sobre esse aspecto , poucas são as certezas. Não se pode dizer que os direitos de autor, pura e simplesmente, desaparecerão. As pessoas escrevem o seu código e é legítimo que esperem qualquer coisa em troca. Terá que existir um mecanismo de pagamento em que se paga por alugar software, ou em que este aluguer pode ser pago pela publicidade que o acompanha. Mas mudar-se-á, de facto, o mecanismo de distribuição. Não irás à loja comprar uma cópia da Microsoft, instalá-la, e perceber que adquiriste uma versão antiga. Esse tipo de acidentes, de desfazamentos, deixarão de existir.

Outra coisa que poderá vir a ser possível, é um mecanismo onde o pagamento é feito pelo uso específico de uma aplicação ou programa, e não pelo item em si, pela propriedade de uma cópia do programa. Isso pode ser útil. Eu recebo um documento em Microsoft Word e quero convertê-lo em html. Por isso, é justo que apenas pague o conversor, a parte que, realmente, utilizo. Cada vez mais o software está a optar por esta solução de componentes; não tens que comprar toda a aplicação, mas apenas os módulos que necessitas para o teu trabalho.”

Já não terei todas aquelas janelas...

“Sim, comprarás funcionalidade. Como o Photoshop, por exemplo. Nem uma única vez utilizei a maior parte dos formatos. Na rede irei, muito provavelmente, encontrar um Photoshop apenas com gifs e jpgs, talvez tifs; que é tudo o que uso.”

Nos Estados Unidos, a Decency Act Bill lá acabou por passar...

“Passou. Mas a maioria das pessoas discorda da lei. Já houve um juiz que afirmou que não seria possível incrementar a lei. Penso que é uma coisa feita por funcionários do governo que não gostam destas coisas (da telemática) nem querem que elas lhes escapem do controlo; mas por outro lado não percebem, minimamente, como funcionam. Eles pensam assim: o acesso à pornografia é mau, por isso, porque não torná-lo ilegal? Pelo seu raciocínio, o que é mau deve ser restringido. Mas as pessoas da Net têm uma cultura diferente, elas é que decidem ao que querem aceder ou não.

O outro paradoxo é que a lei torna ilegais coisas online que , na vida real, são perfeitamente legais. Por isso há inconcistências entre o cidadão fisíco e o cidadão electrónico, e isto é completamente ridículo.”

Como a pornografia nas ruas, vendida sobretudo a jovens entre os 13 e 15 anos, segundo as estatísticas americanas?

“Há uma boa frase do John Gilmore. Ele diz que a Internet trata a censura como um bug. É só rodear o problema ou colocar o servidor na Dinamarca. Tudo se resolverá.”

Como diria Holmes: elementar, meu caro Watkins. É mesmo assim.