2.22.2005

ANDREW TAUBMAN: CÓBOIADAS NA FRONTEIRA ELECTRÓNICA

A EFF -- Electronic Frontier Foundation -- não é apenas a organização pioneira da defesa dos direitos dos cidadãos na electroesfera, mas também a de maior influência junto do poder estabelecido, inspiradora de parte substancial do discurso de Al Gore, o vice-presidente americano defensor da auto-estradas da informação. Fundada em 1989, pela coesão das vontades de Mitch Kapor, John Gilmore e John Perry Barlow, mudou o seu quartel-general para a burocrática capital, Washington D.C., em 1991. Até meados do ano passado, a EFF foi um verdadeiro mito do ciberespaço, colhendo o reconhecimento unânime dos netcidadãos.
Mas as coisas estão a mudar. O seu envolvimento no processo de aprovação da Digital Telephony Bill não foi bem aceite e a EFF acaba de sofrer a primeira cisão nas suas fileiras. Mitch Kapor (o principal patrocionador: cerca de 15% do orçamento da EFF sai do seu bolso) e John Gilmore, embora mantendo os seus lugares na administração, cederam a presidência a David Johnson (da Lexis Counsel Conect) e a vice-presidência a Esther Dyson (da EDventure).
No Mónaco encontrámos Andrew Taubman, director executivo da EFF, que substituiu Jerry Berman de quem mais adiante se falará. Pedimos um café e pôs-se o gravador a andar.

Há vozes que dizem que a EFF foi vítima do beltway gap (a cintura de auto-estradas que rodeia a capital, Washington DC, e, supostamente, a torna impermeável ao "país real")...

Não há fronteiras. Isso queriam dois ou três jornalistas de modo a justificar os seus pontos de vista: de que Washington é uma "cidade do mal"; que até a EFF entrou em compromisso.É verdade que sofremos uma cisão. Somos uma organização privada por isso não vou dizendo que um de nós era isto ou aquilo. Mas nós e Jerry Berman(1), o responsável pela estratégia política (chief of policy) -- que antes ocupou o cargo de director executivo e foi "despromovido" à estratégia -- e após algumas discussões, resolvemos seguir caminhos separados.

Mas Jerry Berman foi o principal responsável pela ida da EFF para Washington...

As pessoas esquecem que há quatro anos atrás a EFF anunciou que ia para Washington: como uma experiência. Para aprender e para descobrir se havia ou não a possibilidade de trabalhar dentro da "beltway" e no processo legislativo; de que modo esse tipo de relação era viável para o nosso tipo de organização e para o modo como vemos o futuro. E penso que sim, que há aspectos em que trabalhar desde dentro do sistema deu os seus resultados.
Tudo isto aconteceu porque percorremos um trajecto muito doloroso, no ano passado, sobre uma peça de legislação no Congresso, a "digital telephony bill".
O que a "digital telephony" preconizava era o direito das autoridades em fazer escutas nas comunicações digitais. Eles sempre puderam monitorizar os telefones, é um direito constitucional. Mas a tecnologia excedeu a capacidade de o fazerem facilmente. Por isso precisam de trabalhar em conjunto com as companhias de telefones para que estas desenvolvam e introduzam os meios de monitorizar essa nova tecnologia. Que a lei acabaria por ser aprovada é algo que nem se põe em questão. O director do FBI, Louis Freeh, visitou pessoalmente todos os senadores e metade do nosso Congresso... e enviou o seu adjunto à outra metade.
A questão que permanecia em aberto era saber se a lei aprovada seria aquela que eles andavam a vender --draconiana, negra, forçando as próprias companhias a colocar esta coisa nos telefones, permitindo-lhes vigiar-nos a partir dos seus gabinetes em vez de os forçar a arranjar um mandato (2) -- ou se havia outra hipótese. Um dos senadores, preocupado com esta situação, pediu-nos que nos "sentássemos no meio", para apontarmos os principais perigos de modo e ajudar a produzir uma legislação melhor.
Como organização não apoiámos nunca essa lei, não acreditávamos que ela era necessária e não queriamos, realmente, envolver-nos e colaborar na sua aprovação. Mas por fim decidimos que era mais útil fazer lutar por uma lei melhor do que permitir que ela passasse tal como estava. E Jerry fez um óptimo trabalho para concretizar essa estratégia(3).

O que conseguiram mudar, realmente?

O fundamental foi retirar às companhias de telefone a responsabilidade da instalação da tecnologia de escuta nos telefones. Se, por uma questão de custos ou por prejuízo à "performance" dos telefones, elas não o conseguirem fazer, então a lei não as pode obrigar. Até porque a decisão sobre tudo isto foi retirada das mãos do FBI para a FCC.
Globalmente, penso que fomos bem sucedidos, e essa não foi a razão do abandono de Jerry. Mas houve muita gente que nunca entendeu a lei -- nem se deu ao trabalho de a ler -- e criticaram a partir de rumores. Quiseram acreditar que despedimos o Jerry por isso. Na verdade, conseguimos cercear o poder que o governo e as autoridades se preparavam para ter neste assunto. O que para mim é frustante, é que as pessoas que criticam são exactamente aquelas que nunca se empenharam em perceber o que se passava.

O sinal, que acompanhei através de várias mailing-listas, foi muito negativo. Parece-me que toda a gente tomou uma atitude radical...

Sim, é uma questão de preconceito digital. Não há uma área cinzenta: ou é branco ou preto; zero ou um. E muitas vezes assume-se que o que se lê é verdade, sobretudo as pessoas que estão mais perto da Net.

Tal como no caso de Pensacola, na Florida?(4)

Esse caso é surpreendente. Foram apenas duas BBS confiscadas...

Isso está confirmado? Tinham sido, supostamente, umas dezoito...

A primeira vez que li tinha sido todo o Estado, todas as BBs da Florida. O que havemos de fazer? É da natureza da Net, o que nós gostamos nela.

Do sinal ao ruído

Não pensa que a facilidade com que um tema pode ser activado através da Net venha a desmobilizar as pessoas? Que o ruído se torne demasiado?

Penso nisso muitas vezes. E a conclusão a que vou chegando é que a Internet -- esta nova era da informação e a capacidade de nos exprimirmos -- irá transformar a sociedade. E já sabemos que as regras vão ser diferentes. As leis, por exemplo. Temos uma espécie de "leis da cultura": há coisas que se fazem e outras que não. Mesmo que a tecnologia o permita, não é correcto fazer "spam"; mas é correcto enviar "remailers" de mensagens o que, BTW, é outro modo de "spaming". Há uma diferença subtil no valor da mensagem.
Penso que este tipo de leis ou regras são altamente evolucionárias e encontrarão sempre resposta para o desafio seguinte, e neste momento o desafio é: este alegre e activa troca de mensagens transformou-se em ruído.
O que isso significa é que iremos construir comunidades mais pequenas, auto-mediadoras das mensagens. No final seremos todos melhores cidadãos e mais responsáveis, permitindo o "encolhimento" do governo em vez do seu aumento, e distribuir o poder pelos indíviduos. As leis só são necessárias quando a cultura não faz o seu trabalho. Isto é o tipo de coisas que a internet pode fazer e o que esse ruído pode significar. Às vezes é preciso passarmos por um mau bocado para chegar à melhor parte.

Falemos do governo, está decepcionado com a atitude dos democratas em relação aos direitos dos netcidadãos? Não lhe parece que estão a ser pouco... democratas?

Estás mesmo a querer arranjar-me problemas...

A CIA não liga a Portugal já lá vão mais de dez anos. Eles não vão ler o BLITZ.
(Drew Taubman ri-se com todo o seu metro e oitenta e picos e mais noventa quilos de peso. Está de fato e gravata mas à-vontade como se estivessemos numa esplanada junto à praia. Chega o café, que ele toma simples e negro, hábito estranho para um americano.)

A nova liderança republicana compreende melhor estes assuntos que a anterior. E sem dúvida que Newt Gingrich(5), que fala muito neste tema, o compreende melhor que qualquer pessoa que conheci no governo. E quando digo que compreende quero dizer que ele tem consciência das transformações que estão para acontecer e decidiu que é melhor estar do lado delas do que combatê-las. Al Gore também é assim. E quando acusam o Newt de "querer parecer o Al", ele responde "há uns anos atrás eramos os únicos a falar disto no Senado. São dois maluquinhos, diziam, e sentaram-nos ao fundo das bancadas" (6). Al e Newt têm opiniões diferentes em muitos assuntos, mas neste caso apoiam-se um ao outro.
O Partido Republicano diz que as acções falam mais alto que as palavras. Eles querem centralizar o governo e utilizar esta infra-estrutura da informação como um método de o fazer. Acham que todos devem ter acesso para não acabarmos com um sistema de castas. Acreditam na interacção entre os cidadãos e o governo na Net. Claro que isto é música para os nossos ouvidos. Mas teremos que aguardar para ver se é verdade.

Nós lá em Portugal também temos um deputado que está sempre a falar na Internet. E também o chamam de maluquinho.

Explica-lhes isto: 100% do dinheiro de todo o mundo anda às voltas na Internet. 90% das comunicações que acontecem no mundo andam às voltas na Internet. E daqui a dez anos, 90% do comércio deste mundo andará às voltas na Internet. Portugal quer estar nos outros dez por cento?


Ser ou não ser mimado

A Internet encontra-se, neste momento, já perto dos seus limites. O que acha que vai acontecer com a pressão dos grupos económicos a quererem aí instalar-se?

Já está cheia de demais, encaremos o facto. Cheguei atrasado porque estive no hotel à espera que o meu e-mail "downloadasse". São três da manhã dos Estados Unidos! e tive que esperar. Mas a garantia de que a infraestrutura continuará a crescer também passa por colocarmos mais e mais pessoas na Net.
Quanto mais cheia estiver a Internet, maior a pressão exercida por esse mesmo tamanho. Na América o governo não irá construir a infraestrutura. O sector privado tende a ser mais rápido nas suas decisões de investimento, mais agressivo e mais comprometido para com os seus objectivos.
Acho bem que seja o sector privado a construir a infraestrutura. Mas é claro que algumas das suas decisões são questionáveis. Quinhentos canais de TV são uma ideia idiota. Por várias razões: é a recapitulação do fracasso da indústria americana do automóvel: pretende-se saber mais sobre o mercado que o próprio mercado. Muitas das televisões por cabo americanas têm já "pay-per-view". Menos de 18% dos subscritores desses canais utilizam o "pay-per-view". E menos de 10% dessa percentagem, utilizam-no regularmente. Ninguém vai ganhar dinheiro com isto. Mas vão construir a infraestrutura na esperança de que outras utilizações ocorrerão. Se eles falirem e a infraestrutura lá estiver, então nós poderemos utilizá-la (risos) para coisas mais valiosas.

E vamos conseguir continuar a utilizar a Net ou não?

Dez minutos é o tempo máximo que pode levar uma mensagem a passar na Net. Quanto tempo levam os Correios? Ás vezes temos que pôr as coisas em perspectiva. Temos tendência para ficarmos mimados. O importante não é a tecnologia, o quão rápida é, etc. O que realmente importa é que os nossos valores permaneçam claros. Que mantenhamos a privacidade digital, que asseguremos a liberdade de expressão, que o acesso à informação seja livre e líquido, que os custos sejam baixos e, que a infraestrutura em si seja fácil de manejar, não só para ser acessível mas também para que o seu uso seja disseminado. Tudo o resto seguirá. O importante é lembrarmo-nos de fazer o que á certo, porque isso nos torna poderosos enquanto indivíduos, melhor cidadãos. Estas são realmente transformações lindas. E se formos conscientes disso, o resto pouco importa.

Mas o meu ego virtual não é melhor que eu mesmo...

Mas acredito que tenhas partilhado coisas com pessoas na Net que o não fizeste com amigos durante anos. São os dois lados da moeda: a Net permite-nos ser mais intímos, mas também permite que sejamos ainda uns maiores filhos da puta. É parte da natureza do animal.
Eu não pretendo saber o que as outras pessoas devem fazer. Mas eu sou eu na Net. Não tenho olhos, nem ouvidos, nem mãos, nem outro modo -- a não ser esses smileys parvos -- para expressar-me emocionalmente que não o modo claro e sincero como escrevo.

(1) Jerry Berman, também chamado de "Old Inside-the-Beltway Jerry", é formado em direito e o maior responsável pela decisão, tomada em Janeiro de 1991, da EFF se mudar de Cambridge (Massachussetts) para a capital norte-americana. Já em Junho do ano passado (ver Wired 2.06) esta mudança era encarada como um corte umbilical com as gentes da Net.

(2) Tal como o FBI pretendia, o mandato de vigilância podia ser emitido por qualquer magistrado e não, somente, por um juiz. O sistema legal americano tem uma hierarquia onde essa distinção...bláblá

(3) A EFF estabeleu cinco pontos de negociação vitais: 1- que o processo se desenrolasse "às claras" de todo o público 2- que a privacidade das transacções devia ser preservada 3- que os custos fossem suportados pelo governo, de modo que através do orçamento se saiba quanto é que o gverno gasta com as escutas 4- que a Internet, e as redes privadas de telefones, fossem retiradas da lei 5- Exigência maior no tipo de magistrado que pode lavrar o mandato.
"Eles so têm 500 milhões de dólares para comprar esta tecnologia e as melhores estimativas apontam para três a quatro vezes mais esse preço. A luta pelo dinheiro vai ser este ano, não o ano passado." No fundamental, Drew Taubman acredita que a lei nunca vai ser implementada porque o governo não tem, nem vai ter, o dinheiro para o fazer.

(4) O primeiro relato das buscas e confisco das BBS na Florida foi completamente apocaliptíco, com relatos da polícia sequestrando famílias inteiras com armas em punho ou um sysop paraplégico que foi obrigado a sentar-se ao sol uma tarde inteira. Falava-se de uma operação em larga escala, visando o extermínio de todas as BBS do Estado. Dizia ainda, essa primeira mensagem, que a EFF havia enviado oito funcionários para a Florida. Nada disto era, afinal, correcto. Apenas duas BBS foram confiscadas por existência de material pornográfico, os seus sysops ainda não foram formalmente acusados, e a EFF não enviou ninguém, embora Shari Steele esteja a acompanhar o caso.

(5) Newt Gingrich é o líder do Partido Republicano.

(6) Soa familiar? Um abraço para o nosso deputado José Magalhães.

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