2.23.2005

ERIK HOBIJN & ANDREAS BROECKMANN: OS TECNO-PARASITAS

“SE CONTINUARES O MESMO, MORRES”

Erik Hobijn e Andreas Broeckmann lançaram a confusão na 5ª CyberConf em Madrid com a sua tese sugestivamente intitulada: «Tecno-Parasitas: Trazendo o Inconsciente Maquinal à Vida (uma estética de irritação e avaria maquinal)». Terrorismo foi o termo mais utilizado, por uma audiência apesar de tudo esclarecida, para classificar o trabalho destes dois autores. O porquê desta reacção compreende-se sabendo o que são e como funcionam os tecno-parasitas.
«Os tecno-parasitas aproveitam-se de qualquer sistema ou aparelho técnico como hospedeiro, sugando-lhe os seus recursos energéticos e ciclos, de modo a crescerem e procriarem. Um tecno-parasita pode ser um sistema simples ou complexo, que é atento e divertidamente se adapta à estrutura do seu hospedeiro. A sua inventiva luta pela sobrevivência causa, a maior parte das vezes, avarias técnicas. Os tecno-parasitas esvaziam totalmente outras máquinas, interrompem os seus circuitos, provocam falhas de energia, enfraquecem-nas, destroiem-nas.» lê-se na apresentação da tese. Um certo dia, suponho, Erik Hobijn irritou-se com o facto de ninguém ligar às porcas e parafusos, aos pequenos elementos dos ambientes técnicos, à miríade de componentes que integram estruturas maquinais que nunca esperamos ver falhar (como os computadores, p.e.:-) ou, dito de outro modo, à virtual invisibilidade desses parafusos. Um exemplo utilizado por Hobijn para demonstrar a histeria que a disfunção das máquinas pode provocar são os vírus de computador. Os tecno-parasitas são sistemas criados para radicalizar este tipo de situação, reforçando a crise do hardware. Com que objectivos?
Segundo os autores, Zielinski apontou recentemente vários fenómenos, fantasmas e modismos cuja falta se faz sentir na Net: ambiguidade, raiva, colapso, crime, crueldade, paixão, risco, patologia, sedução, etc (a lista original é extensa e está em ordem alfabética). Diria que o que falta à Net é vida, no que ela encerra de risco e imprevisto. É neste sentido que os tecno-parasitas vêm trazer vida própria às máquinas, uma «bela e preversa independência» que, resumem os autores, as tornam «alegremente perigosas e geralmente amorais».
Hobijn e Broeckmann defendem-se das acusações de terrorismo contrapondo o carácter teórico do seu trabalho -- o que não os impediu de construir e libertar tecno-parasitas, felizmente para nós (penso eu) apenas lá para a banda deles -- o que não os impede, contudo, de reconhecer duas principais causas para a irritação humana relativamente à sua criação: primeiro, porque uma vez construído e libertado o tecno-parasita actua livremente, escapando ao controlo humano. Segundo, porque os tecno-parasitas alimentam-se em recursos carregados de forte simbologia na nossa existência moderna: fontes de luz, correntes eléctricas, linhas de comunicações, movimentos de dados. «Como estes recursos se encontram profundamente inscritos no nosso inconsciente, o tecno-parasita ataca a infraestrutura simbólica da cultura contemporânea», Erik & Andreas dixit. Desavergonhadamente, defendem o apoio à evolução, diversificação e procriação destas «pequenas criaturas». Será que o mundo será mais interessante com os tecno-parasitas? Seremos homens melhores (ou mais humanos) se tivermos consciência do papel dos parafusos nas sociedades e nos sistemas tecnológicos? Que cada um tire a sua conclusão. Para o ajudar, segue a conversa com os autores.

Qual o objectivo dos tecno-parasitas? Que tencionam provocar?

Erik Hobijn -- Não são construídos para provocar, são coisas que existem. É a possibilidade de algumas máquinas -- e não só hardware mas também software -- pensarem de modo ideológico e que, pensamos, deveria ser desenvolvido na filosofia e na praxis da Internet. Há, portanto, um aspecto práctico e outro filosófico. Ambos são importantes.

Pode resumir o seu modo de funcionamento?

EH -- Não, a parte prática não seria interessante de aqui explicar. Mas o princípio é o dos parasitas, que utilizam outros sistemas como hospedeiros e lhes sugam energia, alimentam-se dos seus recursos, para fins pessoais. Esse é o princípio básico. A ideia ou objectivo da nossa proclamação é afirmar que a Internet não é uma realidade se não existirem estruturas, nessa rede, que não possam ser avariadas, desmanchadadas, interrompidas, para uso próprio dos parasitas, incontroláveis tal como os vírus. A partir do momento em que a Internet estiver povoada de seres como os vírus e os parasitas, ela tornar-se-á uma realidade.

Mas este é um conceito diferente do dos vírus...

Andreas Broeckmann -- Nós fazemos uma distinção entre vírus e parasitas, porque os vírus são apenas pequenas peças de código que destroiem qualquer coisa, mas falta-lhes interesse próprio, egoísmo. Os parasitas são pequenos organismos, pequenos «seres» que actuam por interesse próprio. As avarias que provocam nos sistemas têm como motivação o seu bem-estar ecológico, sem olhar a quaisquer outras considerações.

Poderiamos falar em reprodução das condições dos ecossistemas naturais?

AB - Os tecno-parasitas utilizam, realmente, essa metáfora. Mas o projecto nasce do pensar os sistemas técnicos, os ambientes tecnológicos, no sentido em que esses sistemas só são viáveis se incluirem essas forças destruidoras de que anteriormente falámos. Nenhum sistema se pode manter estável se fôr completamente seguro. A ideia de uma Internet segura, onde exista uma polícia dos vírus e todo o mal é filtrado e toda a gente está feliz, é um conceito impossível. Todos os sistemas têm as suas próprias falhas implicitamente inscritas.

EH -- Qualquer falha técnica aumenta o «nível de realidade». Tal como dissémos na nossa apresentação, citando o exemplo dos automóveis, a possibilidade do desastre torna real a experiência de conduzir, fá-la emergir em existência. Desse modo, os tecno-parasitas tornam a Internet viva. De certo modo, poderia mesmo dizer que a humaniza.

Pensam que um dos efeitos dos tecno-parasitas pode ser a emergência de um sistema imunológico? Uma reacção?

EH -- Para mim, tudo isto é um modelo e não uma sugestão pragmática. O que nós afirmamos é que estas forças destruidoras existem de qualquer modo, e hão-de acabar por aparecer em algum lado. É estado da arte neste momento, o que não quer dizer que não existam. Existem e, potencialmente com mais acuidade, sobretudo nas novas formas de design de software, como os applets Java, os knowbots, etc. O que pretendemos é chamar a atenção para esta possibilidade, este poder, de implementá-los como elementos ecológicos da Internet, como um todo. Qualquer medicamento contra qualquer tipo de doença exigirá pela doença outra vez.

Como a vacina?

AB -- Isso é do ponto de vista práctico, do lado seguro. Todos os sistemas são instáveis e podemos desejar introduzir elementos de instabilidade de modo a tornar esses sistemas mais viáveis. Isso significa que, até certo ponto, temos de ser auto-destrutivos, de modo a conseguirmos ser algo diferente, ou seja, de modo a sobreviver. Se continuares o mesmo, morres.

EH -- É a própria definição de vida. Há que morrer e multiplicar, morrer e multiplicar... em genes e formas. Neste sentido, o conceito da Net não é correcto; deve poder viver as suas próprias leis, a sua própria estrutura. De modo a que, talvez, se venha a transformar em estruturas que ainda não conhecemos e que, provavelmente, não queremos conhecer.

Vocês ficam realmente surpreendidos pela respostas que obtêm com o vosso trabalho? Como quando, por exemplo, vos chamam terroristas?

AB -- Penso que é muito esclarecedor observar esse tipo de respostas. Mas nem sempre obtemos essa reacção; algumas pessoas ficam mesmo desapontadas pelo facto de os tecno-parasitas serem apresentados como meras possibilidades. Querem que eles existam, e que sejam realmente maus (risos). Eu não me vejo como um terrorista, sou um cientista da natureza, de ambientes tecnológicos; e apenas estou a descrever algo que, de qualquer modo, existe. Um dos princípios dos tecno-parasitas é que eles utilizam a energia dos sistemas e transformam-na em energia que lhes é benéfica a si mesmos. Isto é um dos princípios básicos: eles utilizam algo que já existe no sistema. Podem ser estruturas muito simples, não sofisticadas, e apenas coladas a uma pequena parte de todo o ecossistema onde residem. Eles não têm que dar cabo de todo o sistema. E existe um tecno-parasita específico para cada fonte de energia dentro de um ecossistema técnico.

EH -- Eles não atacam o sistema. São parte do sistema. Não existe qualquer sistema que não possua os seus elementos de redefinição. Tal como os vírus do computador, os tecno-parasitas tornam as coisas visíveis, tornam-nas realidade, tangíveis. Por isso desenhámos tecno-parasitas para os candeeiros de rua. É uma rede que desapareceu completamente da nossa consciência. Resumindo: activam uma forma elevada de atenção através de uma detonação constante.

AB -- É apenas quando as pessoas se preocupam com a possibilidade de interrupção, de avaria, que se tornam conscientes da existência das redes. Quando vês uma tomada na parede, nunca pensas na rede de cabos que transportam a electricidade; estão «por detrás» da tomada. E como se tornaram parte natural do nosso ambiente, raramente se pensa na possibilidade de que possam não funcionar. Com as redes electrónicas do momento, somos constantemente lembrados da possibilidade da avaria, porque a sua infra-estrutura tecnológica é muito instável. Mas estão a tentar torná-las estáveis, de modo a que as pessoas já não as sintam. E as pessoas também não sentem a estrutura de poder que essas infraestruturas representam ou articulam; para tornar alguém consciente da possibilidade da avaria é uma atitude muito saudável em relação à realidade.

Erik Hobijn -- membro fundador do Netband (The Egg of the Internet) é, desde 1995, artista residente da Kuenstlerhaus Bethanien em Berlim (onde passa mais tempo que em Amsterdão). Entre os seus trabalhos contam-se «Delusions of Self-Immolation» e «Dante Organ».

Andreas Broeckmann -- programador junto da V2_Organisation de Roterdão (onde passa mais tempo que em Berlim) de cujas iniciativas se podem destacar DEAF, Next 5 Minutes e V2_East, desenvolveu a sua tese sobre a fotografia científica do séc. XIX e consequentes articulações de subjectividade.