2.25.2005

TIMOTHY MAY: CRIPTO-ANARQUISTAS, GRAÇAS A DEUS

Timothy May é, sem dúvida, um personagem estranho. A palavra "sabotagem" saí-lhe da boca com uma naturalidade perturbante. Estados e leis, mais que inimigos, são-lhe entidades totalmente irrelevantes. Mas de onde vem Tim May?
Físico formado em Santa Barbara (Univ. da Califórnia), desistiu dos buracos negros para se dedicar à investigação no campo da informática. Em 1977 descobriu que as partículas alfa irradiadas pelo urânio nos chips eram a causa das erros nos chips de memória. Ainda na Intel, instalou o diagnóstico através do feixe de electrões e as bases para o programa de inteligência artificial. Desde 1986 que está por sua própria conta, escrevendo e desenvolvendo a "criptologia". Fundou o grupo "Cypherpunks" (1992) juntamente com Eric Hughes, e veio até Montecarlo defender as suas ideias.
Após uma conferência brilhante, apesar de apressada, logo pela manhã, Tim May está sentado à minha frente, completamente exausto pelo efeito do "jet-lag". Fala devagar, quase ausente. Amanhã, na mesa redonda com os jornalistas, vai estar recuperado e fornecer o resto dos dados necessários à consecutação do puzzle.

Big Brother Inside


Ao contrário do mundo real, em que existem paredes de concreto onde cada um se pode refugiar na sua privacidade, o ciberespaço é um imenso horizonte aberto à escuta. A criptografia será (é), pois, o único método e garantia de privacidade dos netcidadãos. Para Tim May "o cripto-anarquismo é a realização ciberespacial do anarco-capitalismo, transcendendo fronteiras nacionais e libertando os indivíduos a prosseguir os arranjos económicos que consensualmente desejam". Os efeitos secundários deste tipo de economia não são difíceis de prever: livre circulação do dinheiro (digital, compreenda-se); fuga aos impostos e às regulamentações, etc. As legislatura passará para as mãos dos intervenientes nos negócios, não para qualquer autoridade local. Claro que os governos não encaram esta matéria com "laisser faire, laissez passer". O célebre Clipper Chip e a Digital Telephony foram as últimas investidas dos Estados Unidos para combater a liberdade da comunicação codificada (para além da já existente lei de importação que faz abranger os programas criptográficos das mesmas condições que as armas de guerra), acenando ao grande público com os quatro cavaleiros apocalípticos: a droga, o terrorismo, a pornografia e o banditismo. Ao que Tim May replica "será aceitável que se plantem microfones em todos os quartos de hotel só porque um dia podem aí reunir-se um grupo de fora-da-lei para conspirar?". A resposta é óbvia: à muita transparência da Net opôe-se uma vontade de controlo total.

O que podemos nós fazer para o combater? "Sabotagem", responde-me, prontamente, Tim May. Não chegaria a tanto, digo eu com os meus pruridos europeus. "Porque não?". Pega-me na caneta e desenha o aviso do chip da Intel. Mas substitui as palavras: "Big Brother Inside". "Colocámos estes autocolantes nos telefones da ATT. É um gesto menor mas que serviu para embaraçar a companhia". Isso é muito anos sessenta. "É". Que mais se pode fazer? Escrever programas de criptografia e lançá-los na rede? "Exacto. É assim mesmo que a coisa funciona. Conheço o tipo que libertou o PGP na Net. É um grande amigo meu e não vou revelar o seu nome. Mas ele utilizou uma série de cabinas públicas da Bay Area e daí enviou o programa". (Há outros exemplos, de negócios no campo da compra e venda da informação, mas seria demasiado fastidioso explicá-los tintim por tintim).

Oeste Selvagem

Mas há outro tipo de questões. O ciberespaço tem, realmente, condições para uma mais-valia libertária em relação à vida de todos os dias? Tim May sabe-o, e uma das formas que sempre utiliza para o explicar é a das limitações da lei. Neste caso estamos muito perto do oeste selvagem de Bruce Sterling.

"Muito do que é ilegal no real pode ser facilmente transposto para o ciberespaço. Não coisas como carros, frigorificos ou peixes; mas pornografia, dados clínicos, etc. O que nós queremos, na propriedade eléctrica, no ciberespaço, mesmo que não pensemos nele como Internet, mas como informação, bits, etc, é a liberdade de comunicar.
Num estado comunista ou na Espanha de Franco, certo tipo de jornais não se podiam publicar. O ciberespaço faculta não só essa publicação como a sua distribuição. Em caso do jornal ser interceptado, tudo o que as autoridades veriam seria bits e não palavras. É por isso que eles querem proclamar a ilegalidade da criptografia."

A comunidade eléctrica está, hoje, sobre forte bombardeamento dos grupos de pressão e defesa dos mais variados direitos. Até que ponto pode resistirá a paciência dos netcidadãos a tantos toques de rebate?

"Alguns temas são importantes, outros não. Penso que o caso Canter e Siegel não valeu o barulho que provocou. É verdade que eles inundaram (spam) a Net, mas a Net foi desenhada para isso mesmo. Para alguém lançar grandes doses de informação e não pagar por isso. É preciso escolher com rigor o que nos ameaça e reagir em conformidade".

Tim May acabou de suspender a sua filiação na EFF. Parece mais à-vontade em desenvolver cenários -- como o dos casinos ciberespaciais que, a-propósito, trouxe a Montecarlo -- ou a escrever programas de criptografia do que a tirar proveitos reais da sua filosofia. Disse-lhe que, caso viesse a Portugal, lhe apresentaria alguns dos octagenários anarquistas da "Batalha" que ainda hoje se reúnem para uns copos. "Havia de verificar que o meu anarquismo é muito diferente", diz-me. Quer-me parecer que não.


Este texto foi lançado ao ciberespaço por Timothy May há algumas semanas atrás. Sendo apenas cinco os destinatários originais, a mensagem rapidamente se disseminou pela Internet, sobretudo através das mailing-listas (através de uma das quais o recebemos).
O material de propaganda da BlackNet, apesar da sua comicidade, não é menos que um autêntico manifesto cripto-anarquista, um documento histórico sobre os processos já utilizados e a utilizar na defesa da privacidade da informação. Aconselha-se, pois, uma leitura atenta e meditativa.

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Introdução à BlackNet

O seu nome chegou à nossa atenção. Temos razões para acreditar que estará interessado nos produtos e serviços que a nossa nova organização, BlackNet, tem para oferecer.

A BlackNet está no negócio de comprar, vender, trocar, e de qualquer outro modo lidar com *informação* nas suas várias formas.

Compramos e vendemos informação utilizando sistemas criptados com chaves públicas (*public key cryptosystems) com perfeita e essencial segurança para os nossos clientes. A não ser que nos diga quem é (por favor não o faça!) ou, inadvertidamente, revelar informações que nos sirvam de pistas, não temos modo de identificá-lo, nem você a nós.

A nossa localização no espaço físico é irrelevante. A nossa localização no ciberespaço é tudo o que importa. O nosso endereço primordial é um local de chave PGP (*PGP key, de Pretty Good Privacy): "BlackNet«nowhere@cyberspace.nil»" e podemos ser contactados (de preferência através de uma cadeia de "remailers" anónimos) codificando uma mensagem para a nossa chave pública (anexa abaixo) e depositando essa mensagem num dos vários locais do ciberespaço que actualmente vigiamos. Actualmente, monitorizamos o seguinte local: a mailing-lista "Cypherpunks" (cypherpunks@toad.com).

A BlackNet é não-ideológica, mas considera os estados-nações, leis de exportação, patentes registadas, questões de segurança nacional e similares, relíquias de um passado pré-ciberespacial. Leis de exportação e patentes são muitas vezes utilizadas, de modo explícito, para projectar poderes nacionais e estados imperialistas, colonialistas e fascistas. A BlackNet acredita que é somente da responsabilidade do detentor do segredo manter esse segredo -- não do Estado, ou nossa, ou de quem quer que venha a estar na posse desse mesmo segredo. Se vale a pena ter um segredo, vale a pena proteger a sua secrecidade.

A BlackNet está, correntemente, a construir um inventório da sua informação. Estamos interessados em informação nas seguintes áreas, apesar de qualquer outro assunto sumarento ser bem-vindo. "Se pensa que tem algum valor, ofereça-o a nós em primeiro lugar."

-- segredos industriais, processos, métodos de produção (esp. em semicondutores)
-- nanotecnologia e técnicas relacionadas (esp. o processo Merkle)
-- produção química e design racional de drogas (esp. desdobramento de proteínas)
-- novos produtos, de brinquedos infantis a misseís de cruzeiro (alguma coisa em "3DO"?)
-- informação em negócios, alianças, capitalizações, compras, rumores.

A BlackNet pode realizar depósitos anónimos para a conta bancária da sua escolha -- onde as leis locais da banca o permitam --, pode enviar dinheiro (*cash) directamente (você assume o risco de roubo ou confiscação), ou pode creditá-lo em "CriptoCréditos", a moeda-corrente interna da BlackNet (a qual pode utilizar para comprar _outra_ informação e codificá-la na sua chave pública especial e afixá-la (*posted) em lugares públicos).

Se está interessado, NÃO tente contactar-nos directamente (estará perdendo o seu tempo), e NÃO afixe (*post) nada que contenha o seu nome, endereço electrónico, etc. Ao contrário, componha a sua mensagem, codifique-a com a chave publica da BlackNet (anexa em baixo), e use uma cadeia de "remailers" anónimos com um ou mais nós, para afixar a mensagem codificada e anónima num dos locais anunciados (outros serão adicionados posteriormente). Certifique-se que descreve o que pretende vender, o valor que pensa que terá, e os termos do pagamento, e, claro, uma chave pública especial (NÃO a que utiliza normalmente nos seus negócios, obviamente!) para que possamos contactá-lo. Vigie então os mesmos locais, esperando uma resposta.

(Com estes "remailers", a codificação local de PGP dentro dos próprios "remailers" (*local PGP encryption), e a afixação pública das mensagens criptadas; pode ser aberto um canal -- seguro, de duplo sentido, sem vestígios e totalmente anónimo -- entre o cliente e a BlackNet.)

Junte-se a nós nesta revolucionária -- e lucrativa -- aventura.

BlackNet«nowhere@cyberspace.nil»

- - - - BEGIN PGP PUBLIC KEY BLOCK (+)- - -

Version:2.2

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- - - - - END PGP PUBLIC KEY BLOCK - - - - -

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