2.26.2005

MARK DIPPÉ: "SPAWN É FUNKY"

ele não é giro
ele não come cereais pela manhã
ele não é simpático com as raparigas
ele é...

SPAWN!

A primeira vez que vi Mark Dippé foi no Imagina de Montecarlo, já lá vão uns bons anos (não puxem muito por mim que a RAM já não é o que era). Cabia-lhe fechar o ciclo de conferências (um hábito que se prolongou por alguns anos seguintes) e a sua sessão era completamente distinta de todas as outras: uma verdadeira festa. Mark Dippé não é apenas o grande mago dos efeitos especiais, mas um verdadeiro «entretainer» que sabe manter a sua audiência em vertigem constante. Desde o homem de mercúrio líquido de «Terminator II» aos dinossáurios de «Jurrasic Park», Dippé esteve -- como supervisor de efeitos especiais da Industrial Light & Magic -- por detrás de muitos dos grandes sucessos de ficção-científica dos últimos anos. Revistas de prestígio da cultura cyberpunk, «Wired» e «Mondo 2000», dedicaram-lhe especial atenção, e chegou mesmo a colaborar nesta última.
Anos mais tarde encontrámo-nos na grande rave do Art Futura em Madrid. Combinámos que viria a Portugal no ano seguinte e, chegado o momento, convidei-o para fechar a «Convenção Zero», o ano passado. «i can't make it», respondeu ele no seu modo característico de minúsculas, «i'm doing my spawn movie and won't be free till august next year». «Spawn movie? Like as in Spawn from Todd McFarlane?» perguntei eu. Ele fez-se desentendido, o projecto andava ainda no segredo dos deuses (ou do inferno?)
O resto acaba por ser história e aqui fica mais uma achega para ela.


Já conhecias o «Spawn» antes de surgir a ideia do filme? Queres dizer-me qual a tua opinião sobre ele quando comparado com os outros super-heróis?

Eu conheço o Spawn desde o primeiro número -- conheci o Todd pouco tempo depois. O estilo gráfico de Todd e as suas capas brilhantes colocaram-no àparte de todos os outros comics. A arte é fantástica! A imagem de Spawn, a sua capa, o inferno do Violator, etc., é muito mais forte e bastante diferente do que estamos habituados a ver noutros comics. Eu senti-me imediatamente atraido. O Spawn não tem nada a ver com a chapa-quatro dos superheróis: giro, bíceps largos, comedor de cereais pela manhã e simpático para as raparigas. Ele tem a cara desfigurada, vive num beco, está fulo da vida, tem por únicos amigos os sem-abrigos marginalizados, o seu melhor amigo casou com a sua mulher, e ele acaba de regressar do Inferno!

O Spawn é algo muito mais complicado, mais interessante, mais real e contemporâneo. As situações e dilemas de Spawn são urbanas e modernas, por vezes brutais. Algumas das forças narrativas lidam com temas muito difíceis como o racismo ou crianças psicóticas assassinas.

Todd imbui, também, a história do Spawn na luta entre o céu e o inferno, o que o coloca nesse mundo fantástico do mito, fantasia e ficção-científica e cria um largo território moral que ele e os outros personagens devem percorrer.

Isso também permite que Spawn se torne dantesco e biblíco --e isso é muito funky.

Como aconteceu tornares-te o realizador do filme? O que te fez decidir: «este vai ser o meu primeiro filme, o meu debutar como realizador»?

Eu sempre quis realizar os meu próprios filmes. Em 1992 terminei um guião intitulado «the surgical fetishist» e comecei a mostrá-lo aqui e ali de modo a conseguir produzi-lo. Nessa mesma altura, apareceu Spawn. Ao que parece, desde o início que Todd pretendia tornar Spawn num filme e foi assim que nos conhecemos. Quanto a mim, Spawn era um óptimo projecto e assim comecei a trabalhar com Todd desenvolvendo um «filme Spawn». Demo-nos muito bem e descobrimos ter pontos de vista estéticos muito semelhantes. O Todd decidiu que me queria como realizador do filme. Como ninguém dava pulos de entusiasmo com «the surgical fetishist» (na realidade tinham medo da história) e o Spawn era um óptimo projecto, eu respondi «sim», e num par de dias chegámos a acordo com a Newline Cinema. Foi um projecto à minha medida: negro e gótico, um héroi do inferno, a batalha entre o céu e o inferno, criaturas e locais que só podiam ser criados digitalmente...

Falando em termos de efeitos especiais, qual foi o maior desafio? A capa viva?

Primeiro que tudo, fazer um filme é como combater uma guerra. É muito difícil. Trabalhar 18 horas por dia, 7 dias por semana durante um período de tempo que parece arrastar-se por anos e anos. É como uma maratona sem meta. Tens de ser muito forte -- e não estou só a falar de músculos -- para terminar um projecto como este. E não esqueças que este foi o meu primeiro filme! Foi uma completa insanidade -- e é por isso que eu o adoro!

Os maiores desafios em termos de efeitos especiais foram a capa, a transformação do Spawn larval num completo Spawn, a transformação do Clown em Violator e a criação do inferno.

A capa tinha de ser uma coisa viva, um personagem emocional, sempre movendo-se, preparado para saltar como uma pantera. A capa nunca podia andar pendurada como a do Darth Vader, isso seria um sacrilégio.

A transformação do Spawn tinha de ser dolorosa e orgânica mas, simultaneamente, transmitindo a sensação de armadura, uma armadura viva (isto acontece na campa de Al Simmon). A armadura tinha de crescer da sua própria carne de forma a cobrir todo o seu corpo.

A transformação do Clown em Violator tinha tantas camadas! Tinhamos que pegar num anão fedorento, patético, metro e meio e cento e vinte quilos; e transformá-lo numa besta insectóide de três metros e meio com cornos e pretuberâncias ósseas, tudo num movimento de câmara de 360 graus!!!

Uma grande tarefa, olhe-se para ela de que modo for. Levou meses a completar-se.

Por último, a criação do inferno era um projecto gigantesco. O inferno aparece por um pouco mais de 3 minutos no filme e é totalmente digital!!!

Eu queria que fosse algo fantástico, diferente de tudo na Terra ou do resto do filme.

Corremos imensos riscos criando os efeitos visuais para o filme, dado o tempo e o dinheiro que tinhamos. Felizmente sabiamos o que estávamos a fazer, senão teríamos sucumbido a uma terrível morte.

Em tempos ouvi-te dizer: «do it dark, do it fast». Apesar da grande evolução que a tecnologia conheceu desde há alguns anos a esta parte, o mantra continua a ser verdadeiro?

Escuro e rápido refere-se, realmente, ao facto de não desejares mostrar tudo. Por vezes, trata-se de uma pura escolha estética (como nas cenas de terror ou de suspense) ou então é de ordem práctica (como numa marioneta ou um efeito que não está lá muito bem). As mesmas regras aplicam-se nos efeitos digitais. Às vezes fazêmo-lo porque é a coisa certa, outras porque é a única maneira de o fazer. Eu, claro, só o faço quando é a coisa certa a fazer.

Um amigo esteve em L.A. e viu o filme. Disse-me que é a melhor adaptação de comics que alguma vez viu. Infelizmente, parece que o filme não fez sucesso nas salas . Porque achas que isso aconteceu? Os fãs leitores não foram ao cinema?

Concordo com o teu amigo. O filme tem um estilo visual próprio e não se parece com outro filme qualquer. Eu quis trazer o Spawn à vida no ecrã e não torná-lo uma confusão quitche como tantos outros filmes baseados em comics. Este é, definitivamente, um filme que as pessoas recordarão.

Quanto à falta de sucesso, não sei onde ouviste tal coisa. O Spawn tem sido um êxito. Foi lançado há menos de três semanas e já angariou receitas de 50 milhões de dólares. Não é nenhum Parque Jurássico, mas é uma data de massa em pouco tempo e vai produzir grandes lucros para a Newline Cinema (eles consideram-no um grande sucesso; vai continuar a fazer dinheiro aqui nos Estados Unidos e fará também, certamente, lá fora).

A maior parte dos fãs de Spawn viram o filme e adoraram. Lembra-te que o Spawn só tem cinco anos e que a base de fãs do Spawn -- embora seja um grupo mais dedicado, inteligente e criativo -- é pequena quando comparada com os mais velhos, chatos, «já vimos isto um milhar de vezes», comics. Esses comics mais velhos foram lidos pelos nossos pais -- enquanto a maior parte dos pais nunca ouviu falar do Spawn, o que o torna muito mais giro.

(Nota: A ideia do insucesso de «Spawn» no cinema surgiu da notícia do seu próximo lançamento em vídeo, o que só acontece quando um filme não se «aguenta» nas salas. Afinal, vídeo e película não têm nada que ver, como a resposta seguinte irá esclarecer.)

Abandonaste a IL&M (Industrial Light & Magic). Que andas a fazer agora? Vais abraçar a carreira de realizador ou aguentar-te como o grande génio dos efeitos especiais :) ?

Sempre desejei dirigir os meus próprios filmes e finalmente realizei um. Neste momento estou a terminar a minha «versão do realizador» de Spawn. Será classificada «R» (interdito a menores de 18 anos) -- a versão que foi para os cinemas está classificada como PG-13 (não aconselhável a menores de 13 anos) -- e será lançada nos cinemas em alguns países estrangeiros -- penso que Portugal será um deles. Esta versão, além do vídeo, será ainda editada em laserdisc e DVD. Quando terminar, vou tirar umas férias e pensar no que fazer a seguir. Só te posso dizer que vai ser algo diferente.

0 Comments:

Post a Comment

<< Home