2.27.2005

MARK FRAUENFELDER & CARLA SINCLAIR: AS MENTES ELECTRÓNICAS E O SUPER ORGANISMO DA INFORMAÇÃO

Não, não é um título de um «comic book». Regressemos um pouco no tempo. Madrid, 19 de Outubro. No auditório do Centro Cultural de la Villa, Carla Sinclair, editora da «Boing-Boing», fala descontraidamente dos encontros virtuais entre mulheres e das conversas que elas mantêm em linha. Para os latinos, europeus antigos moldados pelo catolicismo, o discurso é, no minímo, chocante. A conversa de rapazes (à volta de uma imperial) e a conversa de mulheres (na cozinha), são duas instituições centenárias, co-existindo em universos paralelos que, como diz a geometria básica, só no infinito se cruzam. Mark Frauenfelder, editor-associado da «Wired» e, por acaso, marido de Carla, sorri divertido desde a mesa dos conferencistas. Se tivesse um balão de banda-desenhada por cima da cabeça certamente se leria: «Cool!».
Como Rafael Lozano iniciara a conferência «Comunidades Virtuais» a dizer que setenta por cento do tráfego na Internet é de conteúdo pornográfico, não admira que a contribuição de Carla Sinclair tenha sido a que mais polémica suscitou, sobretudo da parte da assistência feminina que achou aquilo tudo uma «conversa de galinhas». Carla lá explicou que não, que eram só exemplos para demonstrar a liberdade com que se conversava em linha, mas a imagem da iconoclasta permaneceu. Mark, por seu lado, falou do «Net-journalism» e da democracidade da publicação electrónica.
Combinámos encontrar-nos os três para um café. O menos que se poderá dizer de Carla & Mark é que são simpatiquíssimos, atacados pelo vírus da costa oeste (S. Francisco, mais rigorosamente) que torna as pessoas blasé e super-descontraídas. Carla fala muito rápido, as frases parecem romper de um vulcão em erupção. Mark foi o primeiro exemplo real de alguém que exclama «Cool!»
de trinta em trinta segundos. Parecem ter chegado de um planeta distante -- enfim, talvez nem tanto, muito embora fizessem perguntas do tipo «falava-se inglês em Moçambique?» (uma alusão à minha terra natal) -- e, até certo ponto, algumas das dúvidas e reticências com que os confrontei nem sequer faziam sentido. Eles vivem, já, no mundo electrónico, e nada lhes abala a fé.
(A conversa do costume sobre a massificação, que os leitores já conhecem). A Sony e a Warner podem comprar páginas inteiras de revistas para publicitar os seus web-sites. A distribuição, se assim se pode chamar, dos pequenos editores da Web, não está em franca desvantagem?

Clara Sinclair -- Penso que já não se pode falar do mundo nesses termos, porque o hipertexto alterou toda a estrutura. As pessoas estão linkadas e é através desses links que se faz a distribuição. Se alguém tecla um tema sobre o qual pretende informação, a web dará a resposta (the web will pop up). Penso que há muitos instrumentos de busca nas redes e na Internet , há links por todo o lado, e as pessoas irão ter, eventualmente, à tua página. A distribuição é muito mais fácil que no papel ainda que, obviamente, a Sony tenha mais gente a vê-los. Mas ainda assim tens o potencial de centenas de milhares de leitores.

Mark Frauenfelder
-- Outra questão, é a de que tudo é software, isso é que é porreiro (that's the cool thing about it). As grandes corporações tinham o controlo porque só elas podiam pagar as enormes rotativas, os camiões, a distribuição, o transmissor de satélite e tudo o mais. E agora continuam a poder pagar o software super-caro, mas há sempre um hacker que vai aparecer com a versão shareware, tão boa -- talvez um pouco mais difícil de usar -- mas acessível a todos. E poderás fazer com que o teu web-site seja tão cool como o da Time-Warner ou da Sony. E que mais ia eu a dizer, havia mais qualquer coisa...

CS -- Acho que o potencial da Internet tem a ver com isto: podes gastar muito menos dinheiro que uma grande corporação a fazer um e-zine, mas tens o mesmo potencial de distribuição. No papel, no entanto, não consegues competir em termos de audiência com os grandes.

MF-- A Sony gasta toneladas de dinheiro no web-site e na Internet.

CS-- Aí reside a beleza disto, sabes, podes competir com eles.

MF-- Por exemplo, a «Hotwired». Eles (a «Hotwired» é independente da «Wired») funcionam com cerca de uma centena de pessoas no corpo redactorial e estão a crescer muito depressa. E têm perto de quatrocentos e cinquenta mil consultas (hits) por semana. Mas há um site, chamado «Justin's Links from the Underground», que é só um tipo a fazer tudo sózinho, e obtém seiscentos e cinquenta mil consultas por semana.

CS -- Agora tudo depende de quão criativo és e da acessibilidade do teu material, mais do que o quanto dinheiro tens para funcionar. A edição electrónica já não se baseia em dinheiro, tanto quanto no modo como escreves e o quão excitante é para as outras pessoas. Funciona assim.

MF -- Ninguém na World Wide Web, nenhum editor, te pode obrigar a prestares atenção. Podem tentar, mas não te podem forçar. Basta carregares num botão e estás dali para fora.

De cérebro a cérebro

Que aspectos da Net vos parecem ser mais duradouros e, simultaneamente, mais revolucionários? O Roy Ascott e o Derrick de Kerkhove falam de biochips...

MF-- A cool thing da Internet, e aquilo que continuará a ser o melhor dela, é que há pessoas do outro lado, com quem estás a comunicar. Não é como um programa ou um videojogo onde competes contra um algoritmo. Há outros seres, respirando e com miolos, ligados do outro lado, e é isso que vai fazer com que a Internet continue a crescer. Não importa qual seja a tecnologia, isso para mim é pouco importante quando comparado com a partilha de ideias, de cérebro a cérebro. E a ideia de milhões de cérebros conectados de algum modo é, de certa maneira, muito excitante. E a primeira vez que tal acontece neste mundo. Estou expectante quanto ao resultado que daí advirá.

CS -- Há muitos sites onde os leitores participam e muitas vezes ajudam a construir esses mesmos sites. Há um sítio onde costumo ir e que é para raparigas adolescentes: no editorial há um inquérito e um pedido de fotografias. As raparigas respondem, enviam as fotos, e isso passa a fazer parte do web-site. Todas participam na criação, em vez da fórmula gasta de um criador enviando mensagens a uma série de espectadores passivos.

Essa história dos milhões de cérebros a partilhar ideias faz-me sempre recordar a ficção-científica dos finais de cinquenta: a telepatia, a mente colectiva. Regressamos ao tribalismo?


MF -- Há sempre uma parte de ti que pertence à tribo. Está a voltar...

CS -- It's coming full circle.

MF -- É por isso que as pessoas estão tão excitadas com a Internet. Porque ela, de facto, oferece essa «coisa tribal». Pequenos grupos, grandes grupos. Há quem prefira dizer -- em vez de Auto-estradas da Informação -- Super-Organismo da Informação (Information Superhighway vs Information Super-Organism). É como uma colónia de formigas que advém altamente inteligente: já não é apenas um certo número de formigas individuais, mas um super-sistema, uma enorme biomassa movendo-se com um pensamento próprio.

Cultura vs pc's

Mudando o rumo à conversa, as vossas revistas não falam de computadores...

CS -- Nós falamos da cultura, o que naturalmente envolve a cultura digital: computadores, Realidade Virtual... Pensa num locutor de rádio que fala da própria Rádio em vez de a utilizar como um medium para falar da cultura que o envolve. Para mim, é essa cultura envolvente que interessa e não a própria tecnologia do medium. Sabes, quando a Rádio apareceu, começaram a publicar-se muitas revistas sobre o assunto. E falavam dos rádios, das ondas, e da tecnologia dos rádios. Agora já não. Claro que há muitas revistas sobre computadores , porque sempre que surge uma coisa nova toda a gente quer falar disso e perceber melhor a tecnologia que lhe está por detrás.

MF -- A «Rolling Stone» e muitas outras revistas de música apareceram durante os anos sessenta. Mas agora o que há são pop-stars digitais: os criadores, os programadores, eles são as celebridades.
Numa entrevista de Malcolm McLaren, há um ano atrás, ele confessou que não devia estar a produzir grupos de rock mas hackers, criadores de jogos e tipos assim. É por isso que as novas gerações se interessam, it's the coolest self-expression now.
Sem dúvida que há revistas sobre guitarras, mas a «Rolling Stone» não fala das guitarras mas das pessoas que as tocam. É isso que a «Boing-Boing» e a «Wired» fazem, falar das pessoas que tocam os computadores.

Uma das coisas que o Bill Gates e os outros gigantes da informática confessam sobre a Internet, é que ninguém conseguiu prever o que ia acontecer. Agora com eles em jogo, vão ser mais caro navegar na Internet?


MF -- Nos EUA os preços estão a baixar. A Compuserve baixou recentemente as suas tarifas para US$ 1,95 por hora de acesso; há uma companhia, a Metrocom -- que te liga um modem sem fios ao computador -- que fornece um acesso sem restrição de tempo por trinta dólares por mês -- e não ocupa linha telefónica. Nos Estados Unidos isso é o mesmo que a subscrição da TV por Cabo, e poder estar ligado vinte e quatro horas por dia à Internet é... pretty cool.

CS -- (risos)

MF -- E penso que o mesmo acontecerá em todo o mundo.

(por momentos a conversa torna-se muito confusa, sempre são vinte e quatro horas por dia por uns míseros cinco contos mensais)


MF -- Outra coisa. Há uma série de serviços que estão agora a surgir nos EUA e que te dão acesso Internet à borla desde que utilizes um software que contém publicidade. É um pouco como o modelo televisivo: desde que estejas na disposição de receber junkie e-mail e ler os anúncios atravessando-te o ecrã, tens acesso grátis.

CS -- Tu podes ter um endereço só para isso, e nem sequer olhar para ele.
No telefone também tentaram fazer isso. Já sabemos que a «Wired» tem a «Hotwired»; e a «Boing-Boing», já tem web-site?

CS -- A «Boing-Boing» tem um web-site mas não fomos nós que o fizemos. Foi alguém que o criou e ainda não queremos que as pessoas o consultem, até fazermos uma revisão.

Net-jornalistas

O Rafael Losano afirmou que 70% do tráfego da Net é pornográfico...

CS -- Ó não! Nem um por cento.

Há preconceitos em relação à Net?


CS -- Há programas que podem impedir a chegada de imagens pornográficas ao teu computador. Por isso penso que deve caber às pessoas decidir sobre o que querem ou não ver, e não ao Governo. É tão simples, basta teclar os endereços que queremos inibir e já está.

Mark, vieste a Madrid falar de «net-jornalismo». O que achas que é diferente entre a Net e o papel?


MF -- Penso que o net-jornalista tem de ter consciência de que ele não é só um jornalista mas várias outras coisas: produtor, realizador, promotor; e também que a sua audiência não são só leitores, vão igualmente ser participantes, vão criar histórias, vão, imediatamente, detectar erros. Por isso ele terá que se proteger (cover his ass). Isto aumentará o rigor e é uma oportunidade excitante para jornalistas.
Se fores fazer reportagem na Net, é importante permitir que outras pessoas coloquem comentários de continuação (post follow-ups). Seria suspeito que alguém publicasse um artigo e depois fechasse a discussão. É preciso criar o meio ou o programa de interface que permita aos leitores comentarem, iniciarem um debate ou o que quer que seja. Só confiaria em ti se o fizesses.

CS -- Ao fazeres isso tiras também partido da potencialidade da Net, que é um media multi-dimensional.

No princípio deste ano, no número 12 da «Boing-Boing», Carla Sinclair assinou o seu primeiro editorial após a saída de Mark Frauenfelder para a «Wired». Porque o achamos curioso para a nossa história, aqui reproduzimos um excerto:

«Wow! 1994 quer dizer que passaram quatro anos desde que Mark e eu nos esgueirámos pela sua empresa de engenharia, às duas da manhã, para fotocopiar o primeiro número de «Boing-Boing». Enquanto ele operava a fotocopiadora, eu vigiava cá fora da sala, pronta a assobiar, mal detectasse algum movimento suspeito. Fizémos cem cópias que depois colámos com fita adesiva cor-de-rosa gritante. As nossas cabeças cresceram tanto como abóboras quando o «Factsheet Five» nos fez uma recensão brilhante. E piámos de prazer com a primeira encomenda.

Muita coisa mudou desde então. Não só o passatempo de fim-de-semana se tornou num trabalho a tempo inteiro (e mais algum), mas os zines, a tecnologia e a cultura pop vieram a ser novos e diferentes animais. Um velho animal é um animal morto, tanto quanto nos diz respeito. Por isso nos satisfaz ver estas coisas em mutação.
Mas o ano novo colocou-me num breve mas profundo estado nostálgico. Por isso trilhei os caminhos da memória e fiz uma pequena lista das várias coisas que aconteceram nos nossos mundos desde que a «Boing-Boing» apareceu.
-- A «Boing-Boing» mudou de local umas seis vezes, e tornará a mudar-se este ano.
-- Rudy Rucker publicou 5 livros e 3 vídeos.
-- A Alcor Life Extension Foundation congelou 6 corpos e 8 cabeças.
-- «Going Gaga» transformou-se de um zine porreiro numa coluna da «Boing-Boing».
-- A «Mondo 2000» passou a existir.
-- «Factsheet Five» morreu e foi ressuscitada.
-- «Factsheet Five» voltou a morrer e mais uma vez foi ressuscitada.
-- Cyberpunk foi explorado por todos, incluindo nós mesmos.
-- Danforth Quayle foi ridicularizado e o seu nome é agora confundido com uma entrada (de refeição).
-- Ren & Stimpy encantaram o planeta.
-- Beavis & Butt-Head nausearam o planeta.
-- A Realidade Virtual apareceu em toda a espécie de videoclips e anúncios da MTV.
-- Os endereços de Internet estão agora nos cartões de visita.
-- A «Wired» passou a existir.
-- A «Wired» raptou Mark (o co-kahuna da «Boing-Boing») que agora saltita fielmente da «Wired» para a «Boing-Boing» para a «Wired», como um símio bem amestrado que quer agradar a dois receptores de orgãos ao mesmo tempo.
ligações:

Biografia de Mark Frauenfelder


BoingBoing, o zine


Netchick, de Carla Sinclair


Signal to Noise, de Carla Sinclair

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