2.28.2005

ANDY CAMERON: O SENHOR ANTI-ROM

Andy Cameron é um dos mais destacados investigadores e autores no campo das artes interactivas (assim no plural, para facilitar). Fundador do Hypermedia Reseach Centre da Universidade de Westminster (Londres) e do grupo Antirom nos idos de 1994, Cameron assumiu desde sempre a faceta exploratória do seu trabalho no domínio da interactividade, procurando verificar como esta funciona em termos de linguagem e que novos modelos de experiência suscita. O grupo Antirom (http://www.antirom.com) para além da presença em festivais -- o Sonar de Barcelona e o Festival de Cinema de Roterdão, p.e. -- como colectivo artístico, produz trabalhos de natureza comercial para clientes como a Levi Strauss. Recentemente, os Antirom acrescentaram vários projectos individuais ao seu conceito de intervenção, liderando Andy Cameron o Romandson um estúdio que trabalha com animação, música e instalação.

Das «mãos na massa», Cameron tem produzido alguma teoria sobre a relação entre a forma cultural dominante -- a narrativa -- e a tecnologia da interactividade (aconselha-se a leitura do ensaio «Dissimulations». Uma das pedras basilares da argumentação de Cameron é que existe uma contradição incontornável na ideia de «narrativa interactiva», algo que o ouvi explicar há uns quatro ou cinco anos atrás, em Montecarlo, desta forma: «estórias e interactividade não parecem misturar-se muito bem. Talvez seja necessário enfrentar o facto de que jogos e estórias são estruturadas fundamentalmente de modos diferentes, e que a interactividade é para os jogos, não para as estórias».

Aproveitando a sua passagem por Lisboa para realizar um workshop no CEM-Centro em Movimento dedicado a estas questões, atirámo-nos à conversa com Andy Cameron, exactamente com uma revisão da matéria dada, não fosse ele ter mudado de ideias entretanto.

A.C. -- A narrativa (storytelling) possui uma relação específica entre a pessoa que conta as histórias e a audiência que a escuta. A audiência é passiva; tem de escutar; tem que acreditar na autoridade da pessoa que conta e tem de aceitar, mais ou menos, a verdade dos argumentos que surgem da boca do contador de histórias.
Isto é, pois, uma relação formal, uma troca de informação que possui uma relação entre o emissor e o receptor da mensagem.
Uma peça interactiva, por definição, é formalmente diferente: a audiência tem uma relação distinta com a peça ou obra. Em vez de aceitar a peça passivamente, ela está comprometida (engaged) descobrindo a informação, explorando a situação ou o info-espaço apresentado. Desse modo, sente que está a criar conhecimento, informação, verdade para si mesma, sem uma intervenção óbvia e indispensável do autor.
Não é que eu julgue que as histórias interactivas sejam um erro -- não há aqui qualquer dimensão moral ou política para a questão. Trata-se antes de um problema linguístico formal; dois fenómenos culturais diferentes que têm dois tipos de relações diferentes entre obra e audiência.
Se utilizarmos um termo da teoria cinematográfica, podemos dizer que a interactividade tem um tipo diferente de espectáculo (spectatorship) daquele que acontece nos media passivos.
É uma incompatibilidade formal, uma questão linguística.

Mas existe ou não uma quebra da magia (aqui quase no sentido da «aura» benjaminiana) quando integramos o espectador na obra de arte? Quando a autoridade se torna irreconhecível?

A.C. -- Penso que a magia continua a existir nas representações interactivas. Não vejo porque terá que existir qualquer problema com respostas emocionais, de maravilhamento (marvel) com a interactividade. É preciso notar que muitas das nossas artes interactivas são, de momento, bastante primitivas. Mas mesmo nessas formas primitivas, tal como nos vídeojogos que envolvem acção na primeira pessoa, existe deslumbre. Há uma certa magia no Quake!
O problema entre a interactividade e a arte não tem a ver com conteúdo. Quero dizer, não é sobre o valor; é sobre a relação formal da peça com a audiência e, particularmente, o modo como as pessoas percepcionam o tempo como uma representação. A interactividade coloca-nos no interior do tempo da peça, enquanto na narrativa estamos sempre no exterior da história, como ouvintes de algo que aconteceu antes do tempo em que se conta. Na interactividade, o tempo da revelação, da exploração, é agora. Quando se descobre um facto no media interactivo, é como se fosse descoberto pela primeira vez; agora. Não se fica com a sensação que alguém o preparou meticulosamente. Claro que esta é uma das contradicções do media interactivo: de certo modo, esta liberdade que parece prometer, é completamente ilusória. Sentimos que se explorarmos o espaço num artefacto interactivo estamos realmente a descobrir algo por nós, no tempo em que o fazemos. Isto é uma ilusão, porque alguém preparou este modelo, alguém que pensou neste tipo de possibilidades. Neste sentido, o da ilusão de liberdade, o media interactivo pode paralizar mais eficazmente que um método linear de narrativa.

E, no entanto, essa liberdade, sobretudo nos vídeojogos, não é mais que a boca de um funil…

A.C. -- Sim, claro. Movemo-nos livremente num espaço enorme mas, no fim, se quisermos avançar, temos de passar por uma porta. Então mais valia ter um corredor. Na verdade é uma linha recta; de certo modo, uma linha recta que engorda no meio mas que acaba por afunilar.

Mas esse já não é o caso das simulações, onde o que existe é a situação e não o tempo…

A.C. -- A simulação é mais interessante, mas é preciso abdicar da liberdade. Há pouca liberdade na simulação; podemos mover-nos para aqui e ali, mas não consegimos sair do interior do avião, por exemplo.
A simulação pega numa experiência, digamos, estreita (narrow experience) e expande-a de forma a termos alguma liberdade. Mas, como modelo, ainda não conseguimos desenvolvê-la a um estado em que seja realmente surpreendente. É sempre algo muito mecânico, normalmente relacionado com uma dinâmica espacial simples, como vôo, batalha, conduzir… algo que um modelo físico simples consegue atingir.
Se tentássemos fazer o que um realizador, um pintor ou um escritor faz, então as simulações não estão à altura. Isto porque a única coisa que podemos simular são as coisas físicas.
Gosto de pensar nestas duas palavras em inglês: espaço (space) e situação (situation). Espaço é fácil de fazer, por isso vemos tantos mundos tridimensionais aborrecidos. A situação é, por agora, impossível de realizar, porque exige significados complexos, ambíguos e subtis. Envolve comunicação que está a ocorrer linguisticamente mas também em termos de envolvimento do próprio corpo. Neste momento nem sequer conseguimos fazer a troca linguística: temos que aturar uma representação do computador e ele não pode compreender as ambiguidades e as subtilezas que encontramos numa pessoa (human). E nem consigo vislumbrar o início da solução para estes problemas. Podemos modelar um campo de batalha, ar, movimento através do ar; mas não conseguimos modelar um coquetéil (cocktail party).
Eu estou numa festa e quero falar com aquela mulher. Que faço? Hoje tenho de utilizar o teclado e o computador não consegue lidar com o tipo de significados que eu quero produzir. No «Sim City» podes construir uma central nuclear, mas não ver a vida de uma família que mora ao pé do parque e as crianças a brincar e talvez haja um acidente e uma criança morra. Este nível de complexidade não existe. As simulações são interessantes, mas ainda nem sequer começaram a lidar com os problemas com que os media mais tradicionais lidam naturalmente.

Nesse caso, como se rodeiam essas limitações de um meio «primitivo»?

A.C. -- O que me interessa é a relação da audiência com o computador. E o trabalho da audiência: como tornar-los produtivos, como dar-lhes uma experiência rica. Como criar uma relação activa.
Estamos a tentar fazer coisas que interessem imediatamente, que obtenham interacções imediatas a partir do primeiro encontro. Trinta segundos é o que tu tens quando alguém se aproxima da tua peça e, se não as pões a pensar, então perdeste-as.
A primeira coisa a fazer é envolver (engage) as pessoas e o modo de o fazer é mantê-lo simples. Manter a relação entre acção e resposta -- como um media -- não muito óbvia mas rápida. Coisas como a resolução, quer de gráficos ou de som, são menos importantes que esta resposta rápida, algo que aprendemos nos vídeojogos. Não existem regras, excepto experimentar tudo, pensar abertamente, não ter ideias preconcebidas quanto ao que funciona e o que não funciona.
O media interactivo é diferentes das outras formas de arte porque não temos um livro muito grosso com as regras, não temos uma tradição histórica. Muitas coisas vão falhar, por isso temos de julgar severamente o que fazemos. Tudo serve para local de testes.

Alguma vez teve a sensação que a tecnologia move-se tão depressa que muitas coisas ficam para trás e são esquecidas antes de lhe explorarmos as verdadeiras potencialidades?

A.C. -- Se o interesse é alcançar audiências, então iremos trabalhar com computadores. Há ainda muito que fazer. O teclado, por exemplo, tem imensas combinações; toda a gente tem um no escritório; e é um artefacto que ainda não foi explorado.

Por falar em teclados -- perdoe a interrupção -- que pensa das coisas que faz John Maeda?

A.C -- Ele é fantástico! É o precursor (top of the tree). Ele é o meu herói.

Mas continue, s.f.f.

A.C. -- O tipo de arte que o ZKM costumava fazer e que andava pelas exposições da Alemanha só funciona com Sillicon Graphics, luvas, etc.
E isso não faz sentido. Quer dizer que a audiência será, à partida, restringida pela tecnologia. Deixam-se levar pelo mais recente e poderoso computador, e talvez estejam a esquecer as coisas certas, as coisas simples. Um dos factores que determina isto, porém, é que este é o circuito para onde o dinheiro é canalizado. Uma peça «high profile» tem mais hipóteses de arranjar apoio, e é isso que leva certas pessoas a adaptarem hardware e também software que acabam por tomar a centralidade do trabalho.
Perde-se o imediatismo (imediacy) a possilidade de realizar uma experiência de manhã, testá-la à tarde, reflectir em tudo isso durante a noite e recomeçar tudo de novo na manhã seguinte.

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